16/12/2023

Tristeza Corta

 

Entrou pelo centro do calcanhar.

Veio em direção ao tendão de Aquiles. 

Passou.

Havia ali pouca carne. 

Recuou. 

Usou só a pontinha e seguiu em direção da panturrilha. 

Agora pôde ir mais fundo. Os músculos que ali antes haviam já tinham entregue o lugar para a flacidez e o cansaço. 

Continuou pela curva do joelho, 

Lugar estranho.  Pele, nervos, e nada mais.

Chegou na parte de trás da coxa. 

Se enfiou um pouco mais e confiante seguiu caminho rumo à  nádega. 

Agora sim se fartou.  

Pôde usar a parte larga  de sua lâmina pois havia ali carne a ser dilacerada. 

A subida pelas costelas foi um pouco desconfortável, barulhenta. 

Espiou entre os ossos se estava no lugar certo. 

Sim. 

Estava. 

Fez um pequeno ajuste de ângulo.  Talvez uns dez graus.  O suficiente para passar entre dois ossos.

E então  usou toda sua capacidade de perfuração naquilo que estava à  sua frente.

Era o coração.  

Até  agora criara dor.  

Agora garantia a morte.


Zane Beatriz 

Setubal

10 de dezembro de 2023.

10/12/2018

Mamãe se foi

Recebi há exatamente 54 minutos a seguinte frase enviada pelo Whatsapp pela minha irmã mais velha:"nossa mãe acaba de falecer".
Já sabia que ela estava em fase terminal. Já  aguardava para mais dia menos dia a notícia de seu passamento. Mas pelo Whatsapp? Quem nesse mundo de meu Deus informa a alguém o falecimento de um ente querido pelo  Whatsapp?
Depois de chorar  o que ainda restava de lágrimas  que ja caiam desde a semana passada, abri o Evangelho e fiz a oração para quem acabou de deixar o corpo físico. Continuei num choro misturado à gratidão pelo fato da mamãe  ter morrido  aos poucos no último mês dando tempo a todos nós para nos prepararmos. Gratidão pelo fato de, embora estivesse se retirando desse enorme palco, não tenha tido dores.
Foi saindo, devagarinho. Fortuitamente como costumava fazer quando algo lhe aborrecia. A história ia de boca em boca sobre o fato dela "juntar a bolsa" e desaparecer dos ajuntamentos da família.
Não brigava.  Não  reclamava. Não  xingava.
Juntava a bolsa  e sumia. Sem alarde.
E assim fez. Talvez estivesse aborrecida com a vida.
Talvez estivesse apenas cansada. Às vezes nos cansamos de viver.
Fato é que se foi.
Deve ter dado uma boa olhada e pensado: "É. O que vim fazer já foi feito. Hora de voltar."
Dona Aparecida ainda vão contar muitas histórias sobre a senhora.
Ainda se vai falar muito no seu nome.
A senhora deixa uma família grande.
"Vó do Bé". "Dodó". "Vó". Cada  neto, cada bisneto usa uma forma para se referir à senhora.
"Minha mãe" é a forma escolhida  por alguns filhos.
"Mamãe" por outros. Eu inclusive.
Voltando à questão do Whatsapp, compreendi que minha irmã não conseguiria ter cumprido sua doída missão de me informar  de outra maneira. Com certeza chorando muito não iria nem conseguir falar.
Nessa hora agradeci a modernidade.  Mesmo que para tão  triste uso.
21/03/2019 completaria 91 anos.
Me espere mamãe que prometo não me demorar muito para ir ao seu encontro.

02/10/2017

Segunda-feira

Segunda é sempre assim, tempo de começar tudo de novo.Que bom! Adoro recomeços, reinícios, retomadas, reviradas. Só não gosto da estagnação, do acomodado, do confortável que te impede de prosseguir e conhecer outras paragens.Vem comigo e te mostro o outro lado, aquele que você nao vê por preguiça de subir um degrau a mais da escada. Te dou a mão, não tema. É seguro e tem uma brisa suave que inebria e acalanta os sonhos da alma. Hoje eu to assim, falando pelos cotovelos. Ah! Meu Deus, como o Senhor é bom pra mim.
Bom dia!

13/02/2017

A Maternidade.

A maternidade nos transforma em muitas coisas. Santas, não está no pacote.

23/06/2015

O Parto

Tia Téia alisava a barriga de cima para baixo, como se alisasse uma prega que o vestido não tinha .
Estava impaciente. Fazia dez dias que estava ali pra fazer mais um parto.
Ela que tinha feito todos os outros. Seis!
Antes era fácil. Moravam na roça. Deixavam para chama-la no ultimo instante.
Era o tempo de arriar o cavalo e seguir o mensageiro de volta.
Com pouco tempo já se ouvia o berreiro que vinha de mais uma boca pra se alimentar. Dessa vez não! Agora eles moravam na cidade grande. Grande não era, mas era a maior que tinha por ali. Nos primeiros sinais de dor já mandaram buscar a tia. Dez dias. Dez dias que ela estava ali!Veio com a roupa do corpo mais uma muda;  caso chovesse, nunca se sabe...Mas a criança embirrou, não queria nascer. Parecia até que sabia o que estava esperando  por ela aqui do lado de fora. Ia ser mais uma, de olho no fundo, ossos saltados, barriga afundada de quem passa fome...fazer o que? Sétimo filho. Sétimo! Esse povo não sabia nada. Mas sabia fazer filho.
Chovia, mas chovia uma coisa que serve! Enchente das goiabeiras como diz o povo.
A casa muito pobre; tinha um monte de goteira. Uma bem em cima da grávida.
Não sabiam se chegavam a mulher pra lá ou se chegava pra cá.
E ela gritava. Gritava e esperneava. Sempre gostou de chamar  atenção.
Numa hora de parto então?, era um rebuliço só.
Dali a pouco a tia entrou. Trouxe uma bacia de água quente, uns trapos e o parto foi feito. Menina. Já tinha duas. As mais velhas. Depois encarriaram quatro meninos.
Agora vinha outra. Só Deus sabe o que ia ser dessa pobrezinha. Nasceu bem. Parecia saudável. Pelo menos isso.Pelo menos isso! Quase dez horas da noite. Enrolaram o neném, e foi todo mundo dormir.

15/04/2015

Veronica Bolina x Gisberta

 Há um ditado que diz: Tal pai, tal filho. Bem, quando Gisberta foi monstruosamente torturada, estuprada de todas as formas e assassinada em Portugal, não me lembro de ver uma única nota sobre o caso no Brasil condenando o ocorrido em terra lusa. Embora Gisberta, como era conhecida fosse brasileira, não mereceu a atenção da mídia tupiniquim. Afinal era uma transsexual. Em Portugal, além da maravilhosa Balada composta por Pedro Abrunhosa, muito pouco se ouviu em repúdio a tão horrendo crime. Portugal não falou, por que Gisberta não era considerada "gente de bem". A Pátria Mãe deu o caso como "uma brincadeira que acabou mal". Portugal não gosta dos diferentes, dos que se assumem diferentes. O Brasil também não. Nesse caso podemos dizer: Tal mãe, tal filha. Não me envergonha mais o preconceito. Ele existe aqui e acolá. Sempre existiu. Me envergonha que ninguém admita que ele exista. Se é necessário esfregar essa verdade na cara de alguém, tenhamos a hombridade de começar com a nossa! Veronica Bolina é criatura de Deus. E como todas as que Ele criou merece respeito.

30/03/2015

Avesso

Estou do avesso?
Devo estar. E talvez por isso, tudo que digo, saia ao contrário.
Quero ficar. Mas o que se ouve é: "Me deixe ir."
Quero  amar. E lá vem um :"Não estou a fim."
Me perco em explicações. Quanto mais falo, pior fica.
Penso em te prender na suavidade da trama
que me induz a sonhos de gente grande,
daqueles que, se filmes, seriam proibidos para menores.
Estou do avesso.
E como seria estar do direito?



09/06/2014

Cesta Básica

A sexualidade como item supérfluo  não entra em minha lista.
Em minha cesta básica não podem faltar inteligência e coração.
Não necessariamente nessa ordem.

Não era!

Acabou? Não era amor.

27/05/2014

Razões e Motivos

São tantas as razões para ser feliz que me admira os que só encontram motivos para chorar.